Atualidade, Economia

Já tenho saudades do Dr. Medina Carreira

Já tenho saudades do Dr. Medina Carreira

Já tenho saudades do Dr. Medina Carreira

Por estes dias cumpriram-se dois meses sobre o falecimento do Dr. Medina Carreira. Criticado por muitos, para mim representou (e representa) uma referência de seriedade e frontalidade, baseando as suas opiniões em factos e em números. Compreendo que não fosse bem visto pela classe política, e também percebo porque razão os políticos em geral não aceitavam debater com ele. Onde muitos viam pessimismo, eu e muitos outros víamos realismo e análise fria dos números.

Vem esta singela homenagem ao Dr. Medina Carreira a propósito da estimativa dos dados macroeconómicos do 1º semestre, recentemente revelada pelo INE, e sobretudo da forma como podemos (ou devemos) olhar para os indicadores revelados. Comecemos pelos pontos positivos, mas sem esquecer o lado menos bom.

O PIB português cresceu 2,8% no primeiro semestre deste ano, comparativamente com o mesmo período de 2016. É o maior crescimento homólogo de um primeiro semestre desde o ano 2000. É, de facto, assinalável. No entanto, parece que o PIB poderia ter crescido ainda mais. Segundo o INE, “a procura externa líquida registou um contributo ligeiramente negativo” para o crescimento do PIB. Efetivamente verificou-se uma desaceleração das importações, mas as exportações desceram ainda mais. Se as exportações tem sido um dos principais motores (a par com o turismo) do nosso crescimento, um aumento das importações não é necessariamente mau, desde que sejam sobretudo de bens de capital e menos de bens de consumo. De qualquer forma, o aumento das importações deve ser sempre olhado com atenção, tendo em conta a nossa crónica dependência do exterior.

Consideremos agora alguns aspetos que, embora sendo menos positivos, convém não serem esquecidos.

Comecemos pela dívida. Já aqui por várias vezes referi a questão da nossa dívida como um problema grave da nossa economia, e que teima em não ser resolvido. E o pior é que está a agravar-se. Segundo dados do Banco de Portugal, a dívida pública portuguesa voltou a crescer em Junho, aumentando 1.800 milhões de euros para 249,1 mil milhões de euros, ou seja, um novo máximo de sempre. Comparando com Junho de 2016, o aumento do valor da dívida pública supera os 9,2 mil milhões de euros. Simultaneamente, registou um aumento de 8 mil milhões de euros em relação ao final do ano passado. Ainda em termos líquidos, isto é, descontando os depósitos, a dívida terá aumentado 1,3 mil milhões, de euros para 229,4 mil milhões de euros, o que também representa o valor mais elevado de sempre.

Por seu lado, a poupança está em mínimos históricos. Segundo dados revelados pelo INE recentemente, com referência ao primeiro trimestre de 2017, o nível de poupança das famílias situa-se atualmente em 3,8% do rendimento disponível. Para termos uma ideia mais clara do que isto significa, entre 1999 e 2016 o rendimento disponível das famílias portuguesas aumentou 49% enquanto a poupança decresceu 44%. No mesmo período, os dados na UE apontam para um aumento do rendimento disponível (57%) e da poupança (36%).

Uma economia que não poupa dificilmente poderá crescer sustentavelmente. Basta pensar no seguinte: quando vamos ao banco solicitar um empréstimo para comprar a nossa casa, existem duas hipóteses: a) o banco tem liquidez própria (depósitos e poupanças feitos por todos os clientes desse banco); b) o banco não tem liquidez própria suficiente, e terá que se financiar noutra instituição de crédito, para poder “revender-nos” o dinheiro do nosso empréstimo. Ora, como no caso português a economia apresenta níveis de poupança muito baixos, os bancos portugueses têm necessidade de se financiar fora do país, para poderem eles próprios financiarem os seus clientes internos.

Para concluir temos o panorama seguinte: a) o PIB a registar uma trajetória de crescimento, há muito não observada; b) a dívida, e nomeadamente a dívida pública, a crescer de forma preocupante e sem aparente controlo; c) a poupança em mínimos históricos; d) a vulnerabilidade face ao exterior a aumentar, agravada pela permanente necessidade de importar e de nos financiarmos lá fora.

Se aqui estivesse o saudoso Dr. Medina Carreira, usaria da sua bem conhecida frontalidade para afirmar com todas as letras que esta receita não iria dar bom resultado. E eu tenderia a concordar com ele…

Até breve!

Marco Libório

CEO da UWU Solutions / Consultor / Docente 

blog@marcoliborio.me

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7 thoughts on “Já tenho saudades do Dr. Medina Carreira

  1. Iluminados é o que mais nos aparece mas não nos fazem sair da cepa torta. Têm-nos valido poucos corajosos industriais e muitos sacrificados emigrantes.
    Olhando para o presente, comparemo-lo com o passado recente!
    Será que o que acabei de ler não faz parte de uma certa campanha? Não falemos só. Vamos trabalhar todos nas e fora das secretárias!

    • marcoliborio says:

      Caro Licínio Monteiro, quero antes de mais agradecer-lhe pelo facto de seguir os meus artigos. Relativamente aos seus comentários, que também agradeço, apenas pretendo deixar claro que o meu blog reflete o meu pensamento livre, e que nada do que escrevo “faz parte de uma certa campanha”. Bem-haja e um abraço

  2. Lembrando certos simpósios em que os oradores são os senhores doutores tal…do Instituto Superior Técnico. ( Conheci o IST e havia, pelo menos exigência), o Sr. cientista tal.
    O que trazia desses simpósios? Conhecimento de que íamos pagar a esses oradores e se mantinham umas Associações ou Fundações que nada produziam.

  3. Lino Gonçalves says:

    Contra factos apenas os argumentos demagógicos fazem parecer verdadeiro o que não o é. É uma evidência que o aumento da dívida cria problemas ao país, designadamente, às gerações futuras.
    O aumento do PIB descurando o sistemático aumento da dívida é uma ilusão de progresso e, mais tarde ou mais cedo, cria problemas com consequências muito negativas na população, em especial nos mais pobres, em que uns não recebem o que moralmente deveriam receber e outros ainda têm que ceder parte dos parcos rendimentos que têm.
    O aumento do bem estar da população, em especial dos mais pobres, deverá ser feito à custa do aumento da produção de bens e de serviços, redistribuída justamente, e não com a redistribuição das legítimas poupanças do passado. Esta receita, para além de não ser sustentável (porque delapida poupanças legítimas), gora as expectativas dos aforradores e desincentiva a poupança com reflexos negativos no nível de investimento.

    • marcoliborio says:

      Caro Lino Gonçalves, antes de mais o meu muito obrigado por seguir os meus artigos. Concordo inteiramente com o seu comentário. Infelizmente a demagogia teima em prevalecer sobre os factos, no âmbito do debate político. Será que alguma vez conseguiremos mudar este estado de coisas? Provavelmente com uma sociedade civil mais ativa e exigente. Mas isso demora uma geração (ou mais) a mudar. E até lá, será que ainda vamos a tempo de evitar que futuro dos nossos filhos esteja definitivamente posto em causa pela irresponsabilidade atual?

  4. Daniel says:

    Caro Marco
    Concordo plenamente que com a divida a aumentar Portugal não vai a lado nenhum apenas conquistar a vinda da Troíca de novo + 6 anos máximo.
    Precisamos de politicos a pensar no país coisa que eu ainda não consegui ver até hoje.
    Os Portugueses estão no top em todo o mundo seja no futebol no hóquei na musica com altos cargos em grandes multinacionais nos moldes nos texteis nos sapatos etc e os nossos políticos exatamente o contrário a roubar o povo Português

    • Caro Daniel. Obrigado pelo seu comentário. Em certa medida os políticos fazem aquilo que o povo deixa fazer. Se tivermos como exemplo a recente eleição de Isaltino Morais em Oeiras, compreende-se melhor o nível de exigência que, enquanto sociedade, temos relativamente aos políticos de elegemos. Um abraço.

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