Não raras vezes sucedem situações em que os sócios recebem montantes das suas sociedades, sem que essas operações estejam devidamente enquadradas, nomeadamente em termos legais. Vejamos então o respetivo enquadramento legal, com especial enfoque nas consequências fiscais deste tipo de operações entre os sócios e a sociedade.
Em alguns casos os sócios definem esses recebimentos como empréstimos da sociedade. No entanto, importa salientar que a concessão de crédito, enquanto atividade em Portugal, é reservada às instituições de crédito e sociedades financeiras. Apesar disso, podem efetivamente celebrar-se contratos de mútuo por razões determinadas e de forma ocasional, devendo haver razões justificadas para que tal aconteça. Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (artigo 1142.º do Código Civil). O Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho veio dar uma nova redação ao artigo 1143.º do Código Civil, e o contrato de mútuo de valor superior a € 25.000 só passa a ser válido se for celebrado por escritura pública, salvo disposição legal em contrário, e o de valor superior a € 2.500 se o for por documento assinado pelo mutuário.
Caso a situação não esteja devidamente enquadrada como um mútuo, as retiradas de fundos de uma sociedade, pelas entidades que participam no seu capital social, encontram-se tipificadas na lei, devendo assumir as formas de lucros e/ou adiantamentos por conta de lucros. Os lucros distribuídos e os adiantamentos por conta de sócios constituem rendimentos de capitais nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS (CIRS), estando sujeitos a uma taxa liberatória de 28% (artigo 71.º, n.º 1, alínea c) do CIRS), com opção de englobamento por força do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º do CIRS.
De acordo com o n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, temos que (e supondo que os sócios são pessoas singulares) “Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”, o que implica tributação em sede de IRS.
Nos termos do disposto no artigo 217.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), os sócios têm direito aos lucros do exercício. Todavia, este princípio não é absoluto, dada a necessidade de harmonização com outras disposições do mesmo normativo Legal. Acresce que, do ponto de vista jurídico, para os sócios anteciparem o recebimento dos lucros, tal só é possível se for cumprido o estabelecido no artigo 297.º do CSC (que deve ser aplicado com as devidas adaptações no caso de sociedades por quotas).
Face ao exposto anteriormente, importa salientar que, não se justificando de outra forma os levantamentos de sócios, ainda que tais levantamentos não tenham cumprido as condições de distribuição de lucros ou de adiantamentos por conta de lucros, existe tributação em IRS (como lucros ou adiantamentos) à taxa liberatória de 28%, pois a lei prevê a tributação de rendimentos “mesmo quando provenientes de atos ilícitos”.
Por seu lado, de acordo com o artigo 34.º do CSC, os sócios devem restituir à sociedade os bens que dela tenham recebido com violação do disposto na lei, já que como também refere esse artigo, os sócios deveriam não ignorar a lei, aquando da distribuição de lucros, pelo que sabendo que a mesma não podia ocorrer, devem assim restituir esse valor à sociedade.
Em conclusão, se um pagamento da sociedade aos seus sócios não resultar de um contrato de mútuo, será considerado um rendimento da categoria E, e presume-se feito a título de lucros ou adiantamento dos lucros, com as consequências fiscais acima mencionadas.
Até breve!
CEO da UWU Solutions / Consultor / Docente